Compostos fenólicos presentes nos alimentos e a proteção celular
Por Jorge Mancini Filho, professor sênior da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP para o Jornal da USP
O Laboratório de Lípides do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, pelo qual sou responsável, há mais de 30 anos realiza pesquisas buscando a atividade antioxidante naturalmente presente nos alimentos. Os trabalhos iniciais foram direcionados para avaliação da atividade antioxidante em frutas secas como a castanha do Brasil, e na castanha do caju e nos frutos do dendezeiro, do melão de são caetano, do pequi, do caju. Em sequência trabalhos foram realizados com as sementes de frutas cítricas, de cacaus da Amazônia Peruana, de café, de maracujá e de uva. Foram também estudadas diferentes especiarias como mostarda, erva-doce, alecrim, canela e orégano.
As metodologias utilizadas foram baseadas na literatura, destacando-se a associação do beta-caroteno com ácido linoleico, o DPPH, ORAC e FRAP, as quais são utilizadas internacionalmente e dão um ótimo suporte para avaliação da atividade antioxidante in vitro. Da mesma forma in vitro foram utilizados cultivos de células como CaCo2, HEP G2, MDCK,VERO e RAW, sendo também obtidos ótimos resultados. Trabalhos para avaliação in vivo foram realizados com animais de laboratório como ratos e camundongos.
Cumpre-se destacar que nos diversos trabalhos feitos com algas houve a parceria de Alexis de Jesus Novoa Vidal, professor titular da Universidade de Havana (Cuba), e os trabalhos feitos em cultura de células se deram em parceria com Dalva Assunção Portari Mancini (MS), ex-diretora do laboratório de Virologia do Instituto Butantan.
Possuo aproximadamente 240 trabalhos publicados, sendo a maioria feita com graduandos de mestrado e de doutorado e de pós-doutorandos, e publicada em revistas com seletiva política editorial, sendo, destes, 90 sobre antioxidantes.
Assim inicialmente os estudos foram direcionados aos compostos fenólicos, os quais têm sido muito pesquisados por suas atividades antioxidante e anti-inflamatória, que se dá pela estrutura básica de pelo menos um anel aromático com um ou vários grupos hidroxila.
A ação antioxidante, comum dos compostos fenólicos, deve-se ao potencial de óxido redução de determinadas moléculas, à capacidade dessas moléculas em competir por sítios ativos e receptores nas diversas estruturas celulares ou, ainda, à modulação da expressão de genes que codificam proteínas envolvidas em mecanismos intracelulares de defesa contra processos oxidativos e degenerativos de estruturas celulares (Silva et al., 2012). Então os compostos fenólicos podem doar um átomo de hidrogênio para as estruturas de radicais livres, sequestrar metais pró-oxidantes, atuar na ativação das enzimas antioxidantes como superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT) e glutationa peroxidases (GTX), além de outras atividades metabólicas. O que levou ao aumento da resistência celular, favorecendo o combate do processo degenerativo.
Referente aos extratos de plantas, que são as formas mais antigas e difundidas como medicação entre o público geral, os principais hoje são denominados de nutracêuticos e, nestes, incluem-se compostos como fenóis e polifenóis, vitaminas, ácidos graxos ômega-3, fibras dietéticas, ácido linoleico conjugado (Anusree et al., 2015).
É importante ressaltar que as especiarias são mundialmente utilizadas para aumentar e/ou acrescentar sabor ao alimento, e, secundariamente, com finalidade de conservação, devido às suas propriedades antimicrobianas e antioxidantes. Os condimentos, por exemplo, da família Lamiaceae, têm sido extensivamente estudados devido ao caráter antioxidante de seus compostos fenólicos; o alecrim (Rosmarinus officinalis L.), por exemplo, tem sido amplamente utilizado em produtos alimentícios (Silva et al., 2011). Nos dias atuais, tem sido atribuído ao alecrim propriedades antimutagênica, antiviral, antibacteriana, anti-inflamatória, antidiabética e hipo-lipemiante (Silva et al., 2015).
As especiarias podem ser adicionadas a alimentos em duas formas: como temperos ou como isolados a partir de seus extratos. O procedimento de extração é determinado pelos tipos de compostos antioxidantes a serem extraídos e pode aumentar a concentração de compostos antioxidantes no material obtido. Os compostos fenólicos presentes nas especiarias se encontram representados por flavonoides e por ácidos fenólicos, sobretudo derivados do ácido cafeico: ácidos clorogênico e rosmarínico, além dos ácidos ferúlico, salicílico, quinico, entre outros.
Em modelos de inflamação, extratos de especiarias reduzem as concentrações de prostaglandina E2 (PGE2), leucotrieno B4 (LTB4), IL-6 e TNF-α de maneira dose dependente, além de diminuir o recrutamento de células inflamatórias para o local de inflamação. Nos estudos do laboratório pôde-se observar que o efeito anti-inflamatório das especiarias está relacionado ao aumento na atividade da enzima SOD e na redução da peroxidação lipídica. Em cultura de neutrófilos estimulados com LPS e tratados com extratos de especiarias reduziu-se a produção de óxido nítrico não apresentando toxicidade para células in vitro (Silva et al., 2015). Como o alecrim, outras especiarias, como canela, orégano, coentro, entre outros, também possuem atividades semelhantes.
Nos estudos com animais de laboratório foram utilizados ratos e camundongos. Estes receberam durante diferentes períodos extratos das especiarias e de frutos em avaliação da ação antioxidante.
Resultados foram apresentados em revisões sobre os antioxidantes naturalmente presentes nos vegetais que destacam, em humanos, a participação dos mesmos em diferentes patologias (Yashin et al., 2017; Jiang, 2019; Vazques-Fresno et al., 2019).
Diferentes trabalhos foram realizados no Laboratório de Lípides da FCF-USP, com caju, pequi, algas, romã, sementes de frutas cítricas e especiarias como canela, alecrim, orégano, coentro e mostarda, os quais demonstraram a possibilidade de atuarem como antioxidantes e anti-inflamatórios e também induzirem alterações nas enzimas antioxidantes do organismo animal, bem como interferirem na produção de eicosanoides e citocinas (Mello et al, 2015;Torres et al., 2018; Yoshime et al., 2018; Novoa et al., 2017).
A avaliação dos compostos fenólicos, realizados por nós, tem sido feita em animais de laboratório, já descrito, e também in vitro, em cultura de células as quais apresentam respostas importantes tanto na influência dos mesmos no desenvolvimento celular como na inibição da proliferação de vírus e bactérias.
Trabalhos realizados no Laboratório de Lípides da FCF-USP puderam também identificar o efeito de extratos com atividade antioxidante em células da linhagem CaCo-2 (Jardini et al., 2007) e em células MDCK (Jardini et al., 2010). Mancini-Filho et al. (2005) avaliaram o efeito sinérgico da associação de antioxidantes sintéticos e naturais contra a proliferação do vírus para influenza. Mancini et al. (1999) avaliaram o efeito antioxidante dos extratos da canela na inibição do vírus influenza em células MDCK e VERO. Mancini et al. (2009) estudaram o efeito dos extratos do alecrim sobre a inativação do DNA do vírus Herpes 1(HSV-1) em células VERO.
Com esses conhecimentos científicos é que se dá o embasamento ao estímulo ao consumo das especiarias como chás ou extratos.
Conclusões
No momento em que o mundo está enfrentando a pandemia do coronavírus, com recursos limitados e a fragilidade de grande parte da população do Brasil e de muitos países, com restrições de moradia, de saneamento, de atendimento assistencial e ainda na segurança alimentar e social, a proposta desta revisão dos estudos realizados sugere a utilização de formas alimentares que possam amenizar o quadro que está atualmente delineado nesta pandemia.
Os resultados obtidos no Laboratório de Lípides da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo indicam, pelos estudos tanto in vitro como in vivo, que diferentes frutos e especialmente as especiarias, pela presença de compostos fenólicos nas suas composições, podem colaborar com o fortalecimento do organismo na prevenção de diversos tipos de infecções tanto virais como microbianas, devendo seu consumo ser estimulado.
Chás de especiarias ou extratos de canela, alecrim, orégano e erva-doce apresentam atividades antioxidante e anti-inflamatória e podem participar no processo de inibição da replicação viral. A utilização dos mesmos associados poderá contribuir com o aumento da resistência do organismo, frente à infecção pelo novo coronavírus.
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