Câncer: dos fatores de risco aos processos celulares
por Equipe Infofarma: Dra. Larissa A.C. Carvalho e Profa. Dra. Silvya Stucchi Maria-Engler.
São frequentes os dias e meses de campanhas de conscientização do câncer celebrados ao longo do ano. Estas campanhas ajudam os pacientes a buscarem avaliação médica de forma mais precoce, contribuindo assim para detecção não tardia de tumores que podem gerar metástases e levar o paciente a óbito. Estamos inaugurando o mês de outubro e com ele as tradicionais campanhas para câncer de mama são amplamente divulgadas. Daremos atenção a este tópico e seguiremos em novembro, com o câncer de próstata e em dezembro, com o câncer de pele. Discutiremos de uma forma direta e acessível a questões como taxas de incidência, tratamento aprimorado, detecção precoce por meio de triagem e maior conscientização da população. Exploraremos as bases celulares e moleculares do câncer e fatos relacionados à doença. Por exemplo: Você sabia que o risco* de uma mulher morrer de câncer de mama caiu 39% entre o final dos anos 1980 e 2015?Isso se traduz em mais de 300.000 mortes por câncer de mama evitadas durante este período.
Fonte: Dados da American Cancer Society (ACS).
Desequilíbrios nas células dão origem ao câncer
A palavra “câncer” vem do grego karkínos, que significa “caranguejo”. Hipócrates, pai da medicina, teria feito essa referência devido aos vasos que envolvem a massa tumoral formarem algo semelhante às patas de caranguejos quando vistos junto ao tumor, que seria o corpo do animal. Outros, porém, sugerem que este nome se deve ao fato de o local do tumor ser consumido de forma dolorosa como a pinçada de um caranguejo. Por definição celular, o câncer é o crescimento descontrolado das células, que perdem funções básicas à sua sobrevivência estritamente controlada e tendem a invadir tecidos e diferentes órgãos.
Normalmente, as células crescem e se dividem para formar novas células, mas quando estão velhas ou são danificadas por algum fator, devem morrer e novas células devem assumir seu lugar. Um perfeito equilíbrio. Quando ocorre o câncer, essa função é completamente desequilibrada. As células se tornam cada vez mais anormais e, mesmo velhas ou danificadas, continuam a proliferar sem limites, escapando de sinais que controlam e cessam tal crescimento.
O gatilho para a ocorrência do câncer é uma mutação genética, ou seja, uma alteração no DNA (ácido desoxiribonucleico) da célula. Os genes guardam e fornecem todas as instruções para organização das estruturas e atividades celulares. Nosso DNA funciona como uma memória química que guarda informações como a cor do nosso cabelo e formato de nossos olhos.
Nosso organismo possui sistemas refinados para reparo de erros genéticos, que são bastante frequentes. Em geral, nossas células identificam falhas e as reparam, evitando qualquer processo danoso à célula. Este é um sistema muito eficiente, porém, caso esse evento fracasse e mais mutações sejam acumuladas, o processo de câncer é inevitável e as células passam a receber instruções erradas para suas atividades. Essas mutações são relevantes quando ocorrem em genes específicos, os chamados proto-oncogenes, a princípio pouco ativos em células normais. Quando estes genes são ativados, tornam-se oncogenes, responsáveis por transformar células sadias em cancerosas. O mesmo ocorre com os genes denominados de genes supressores de tumor, que se tornam agora inativados. O câncer pode ser originado em praticamente todas as células, podendo até ser classificado pelo tipo celular afetado. Apesar da origem diferente, todos os tipos de câncer compartilham características intrínsecas e semelhantes.
Dá-se o nome de carcinogênese ou oncogênese ao processo de formação do câncer, que ocorre de forma lenta e gradual. Esse processo pode ser genético ou induzido por agentes carcinógenos. Agentes promotores podem ser desde a exposição solar ou hormonal, à poluição ambiental e até componentes da alimentação. O tabaco é um agente carcinógeno completo, pois apresenta componentes que atuam nos três estágios da carcinogênese. O desenvolvimento do câncer compreende três etapas: 1) iniciação, em que os genes sofrem a ação de agentes cancerígenos, provocando as mutações, mas ainda não identificado clinicamente (ainda um processo reversível, sujeito ao reparo do DNA). 2) promoção, em que as células alteradas podem ter contato contínuo e prolongado, isto é, muito associado à dose de carcinógeno ou com os agentes promotores e então pode ocorrer a transformação maligna definitiva. Se o contato com esses agentes promotores for suspenso, o processo de carcinogênese pode ser interrompido. 3) progressão, a última etapa já é o crescimento descontrolado e irreversível das células transformadas. Nesse estágio o câncer se instala e pode apresentar sinais clínicos, pois a massa tumoral já pode ser detectada por exames de imagens.
Em geral não é possível saber exatamente por que uma pessoa desenvolve câncer e outra não, mas existem fatores de risco que podem aumentar a probabilidade de se desenvolver a doença. Por muitos anos, estudou-se o comportamento de pessoas que vieram a ter câncer e outras que não tiveram e chegou-se a uma lista de eventos que poderiam ser evitados para que o risco seja mitigado.
Seu tratamento e possibilidade de cura são processos complexos, pois envolvem vias fundamentais à proliferação e crescimento celular normais. Pelo fato de poder ocorrer em praticamente qualquer órgão, se torna ainda mais específico e abstruso. Nesse sentido, o estudo de suas bases moleculares e busca por novas terapias, trazem a esperança de seu controle.
O site do INCA (Instituto Nacional de Câncer, https://www.inca.gov.br/), oferece uma série de informações sobre câncer, como características, estatísticas, riscos, prevenção, sintomas, diagnóstico e tratamento. O site também traz números atualizados anualmente para incidência em cada estado do país, além de informações sobre o tratamento oferecido pelo próprio Instituto pelo sistema único de saúde (SUS).
Segundo o INCA, o tipo de tumor mais incidente no Brasil é o câncer de pele não-melanoma. Excluindo-se este tipo, o mais frequente em mulheres é o câncer de mama, correspondendo a 29,7% de todos os casos, enquanto o mais comum em homens é o câncer de próstata, com 29,2% de todos os casos (ver infográfico 1). Em relação à mortalidade, o tipo que mais leva homens a óbito é o de traqueia, brônquios e pulmão (13,9%), enquanto para mulheres o câncer de mama também é o mais fatal (16,4%). Vale aqui ressaltar que 90% dos casos de mortes relacionadas ao câncer ocorrem devido a metástase.
Infográfico 1
Metástase
O processo de metástase inclui 8 etapas que levam à colonização de sítios distantes. Em cada etapa, um novo processo celular deve ser ativado e superado para dar andamento a próxima (ver infográfico 2).
Infográfico 2
❶ Crescimento tumoral: tudo começa pelo acúmulo de mutações que levam ao crescimento descontrolado e ao desenvolvimento de um câncer maligno.
❷ Angiogênese: o crescimento acelerado e a falta de irrigação sanguínea na massa tumoral, exigem maior aporte de oxigênio e nutrientes. O tumor sinaliza para produção de novos vasos sanguíneos que penetrem seu interior para transportar o que falta, porém os vasos recém-formados são mal desenvolvidos e mais fracos que os normais, sendo mais permissivos a invasão celular.
❸ EMT (transição epitélio-mesênquima): é a transformação de células epiteliais (alta proliferação) em células mesenquimais (alta motilidade) para que elas se desprendam do tumor e seja possível a metástase.
❹ Invasão: o processo pelo qual as células transformadas invadem o tecido em que estavam inseridas.
❺ Intravasamento: após se soltar do tumor primário e invadir o tecido, as células devem intravasar os vasos sanguíneos para buscar seu novo sítio de metástase.
❻ Sobrevivência na circulação: é um processo essencial para haver colonização de um novo sítio. Durante esse caminho, as células devem evitar morrer pela pressão nos vasos ou outras intercorrências, caso não sobrevivam, não há metástase. As células tumorais que estão circulando na corrente sanguínea são chamadas de circulating tumor cells (CTCs), quanto mais CTCs na corrente sanguínea, pior o prognóstico do paciente.
❼ Extravasamento: as células que sobreviveram à circulação, podem ficar presas nos capilares ou serem atraídas a um sítio secundário por moléculas sinalizadoras secretadas para formar o novo tumor. Uma vez que cheguem em outro sítio, são chamadas de disseminated tumor cells (DTCs).
❽ Dormência ou proliferação no sítio secundário: as DTCs podem entrar em processo de dormência, em que reduzem seu metabolismo e não proliferam. Por outro lado, podem também começar a proliferar assim que chegam ao seu destino formando um tumor secundário.