Entrevista com os professores Humberto Gomes Ferraz e Helder Takashi Imoto Nakaya

Texto disponível na edição 54 do Farmanews, informativo eletrônico da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.


Os professores Humberto Gomes Ferraz e Helder Takashi Imoto Nakaya, que acabam de assumir a diretoria e vice-diretoria da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, respectivamente, conversaram um pouco sobre suas trajetórias e projetos para a FCF. Confira a entrevista completa abaixo.

Novos diretores da FCF pretendem desenvolver a infraestrutura da Faculdade.

Poderiam fazer um breve histórico da carreira de cada um de vocês?

Helder: Não sou farmacêutico, mas visto a camisa da Farmácia. Sou biólogo, na verdade. Conheci a Farmácia porque fiz minha pós-graduação e meu doutorado na Química. Então, descia toda hora para a Farmácia; conhecia alguns professores. A minha carreira, desde a graduação, sempre teve contato com a Farmácia, mas sou graduado em Biologia, com doutorado na Química. Entrei no final de 2013 e, agora, completarei 7 anos de casa.

Humberto: Sou farmacêutico-bioquímico formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Lá, trabalhei na indústria farmacêutica e fiz mestrado e doutorado na USP, no Programa de Fármacos e Medicamentos. Em 1993, entrei como docente, ainda sem título de doutor. Tirei meu doutorado em 1997. Não época, não era dedicação exclusiva. Em 2000, passei à dedicação exclusiva na USP. Depois, eu fiz meu pós-doutorado na Universidade de Coimbra, em Portugal, e, em 2007, fiz a livre-docência na FCF. Em 2018, passei um período na Inglaterra, como pesquisador convidado. Minha área de atuação é Farmacotécnica. Ministro, como o Helder, graduação e pós-graduação. Estamos bem envolvidos no dia-a-dia da Faculdade. Também sou coordenador de um laboratório, que criei para desenvolver projetos em parceria com a iniciativa privada.

Por que decidiram se candidatar à direção da Faculdade?

Humberto: Nós entendemos que nossa experiência é um pouco diferente. O Prof. Helder tem uma forte inserção na pesquisa e eu, em trabalhos com a iniciativa privada. Nós dois somos voltados para a inovação e entendemos que nossa contribuição para a Faculdade seria neste sentido: trazer novas ideias, propostas e formas de trabalhar. Também curso Gestão, em nível de especialização, e fiz vários cursos na área. Nunca tivemos, na FCF, a oportunidade de implementar algumas práticas de gestão, que acho que seriam bastante interessantes. Foi com esse espírito que nos candidatamos – trazer para a Faculdade um debate com outra visão, e na campanha que se sucedeu nós tivemos oportunidade de mostrar isso. Temos ideias um pouco diferentes, principalmente no que diz respeito à gestão. Estamos aí, fomos vitoriosos. A Faculdade entende que é mesmo chegada a hora de se trazer coisas novas. Há um número muito grande de professores que estão se aposentando, uma perda muito grande no quadro de docentes, e vão ficando os mais novos. E essas são as oportunidades de trazer outras coisas para a Faculdade.

Quais são seus principais planos para os 4 anos de gestão?

Humberto: O principal desafio é o quadro sombrio que temos na educação no Brasil, no modo geral, e o Ensino Superior está muito afetado com isso. Por outro lado, temos uma crise econômica que, dependendo de como as coisas serão conduzidas, pode se agravar nos próximos anos. Uma situação que já não é fácil… Esse seria o principal desafio, num ambiente macro. Internamente, nós temos nossos desafios, principalmente com a redução do quadro de pessoal, tanto de funcionários técnicos e administrativos, quanto de professores. O quadro vem sendo achatado e isso é muito preocupante. Por outro lado, temos o novo currículo da graduação, que demanda mais professores e uma estrutura mais otimizada. Acho que esses são os principais desafios. Claro que existem outros, em termos de estrutura e como nós interagimos na FCF. Todos esses são desafios importantes, mas diria que o quadro externo e a redução de pessoal são desafios consideráveis.

Quais são os projetos em andamento na Faculdade que consideram relevante para manutenção e ampliação?

Humberto: É um ponto que estamos estudando. Nós temos nossos próprios planos, mas entendemos que aquilo que está funcionando deve ser mantido. Estamos trabalhando na transição e estamos vendo o que manteremos e aquilo que será necessário mudar. Nós temos um foco voltado para a inovação e, nesse sentido, queremos avançar com outras coisas. O Prof. Helder, por exemplo, é um especialista em Bioinformática, e tem um bom trânsito nessa área. Temos um plano ambicioso para avançar nesta questão, ou seja, trabalhar uma maior eficiência administrativa usando a tecnologia ao nosso favor. Muita coisa pode ser mudada e refeita conforme avançamos neste sistema.

Helder: Existem esses desafios, obviamente, que o Prof. Humberto mencionou, de perda de pessoal, por exemplo, e tem o nosso desafio de unir os docentes e funcionários para trabalhar em um projeto em comum, desde de troca de reagentes até um realmente ajudar o outro, por exemplo, na escrita de um projeto, em disciplinas. Esse é um grande desafio: unir todos em prol da FCF e tentar separar essa ideia de cada um por si, cada um em seu Departamento. Outra coisa sobre metas e projeto é que colocamos 20 delas no nosso programa. Já estamos conversando com algumas pessoas para começar a executar essas metas assim que iniciarmos o mandato. Tivemos reuniões com a diretora do ECar [Escritório de Desenvolvimento de Carreiras da USP], que justamente já começou a discutir como será a parceria com a Farmácia; como o ECar poderá ajudar, dentro da Farmácia, para o desenvolvimento de carreira. Já estamos procurando pessoas da Psicologia e de outros lugares para viabilizar a meta de saúde mental e fazer uma faculdade mais inclusiva. Tudo o que colocamos no nosso plano, já estamos indo atrás. Achamos que há coisa muito boa em andamento, que não precisamos mexer, talvez expandir e melhorar, mas tem coisa que queremos começar.

No programa de gestão de vocês é mencionada a criação de um laboratório de sistemas. Como vocês buscam aplicar a tecnologia para o desenvolvimento da Faculdade?

Helder: Precisaremos ver. Eu sei como tem que ser feito, mas é difícil saber os detalhes. Queremos marcar reuniões com todos os que ficam atravancados em uma parte burocrática. E isso são coisas específicas. Por exemplo: existe uma Comissão de Pesquisa que precisa ficar copiando e colocando mil coisas de cada uma das pessoas que estão no ponto, etc. Para esse tipo de coisa, precisamos pensar em um sistema que facilite o processo. Porém, não vai facilitar a vida do funcionário que está catalogando reagente e que vai precisar copiar e colar outras coisas, pegar outros dados. Então, para esse laboratório de sistemas, precisamos primeiro levantar quais são as demandas e os processos que precisamos otimizar e, depois, vamos atrás da parte tecnológica, que é quem precisamos reunir, é a parte mais técnica, que eu sei como funciona. Mas, o que está faltando é, primeiro, mapear as demandas. Assim como a Farmácia contrata estagiários e pessoas da Comunicação, precisaremos contratar pessoas de TI para auxiliar a nossa equipe. Saiu agora o sistema novo da USP, ou seja, viram que era um problema e estão ajudando. Tenho contato com o diretor da STI da USP, então, se precisarmos, podemos pedir sua colaboração para algo que possa ser implementado via Portal da USP. Ou seja, é conversar com as pessoas, para ver como e quando iremos implementar. Estamos animados.

A partir do histórico profissional de ambos, é possível notar uma familiaridade de parcerias com o setor privado. Vocês buscam trazer essa parceria para a FCF?

Humberto: Essa parceria já existe. Meu laboratório é praticamente sustentado com isso. A questão é que isso leva um tempo. Nós precisamos sinalizar claramente para o setor privado que temos possibilidade de trabalhar com ele, e que ambos os lados vão ter ganhos com isso. Nós vamos trabalhar essa questão. Se não deixarmos isso claro e não fizermos ajustes internos para mostrar que estamos abertos a isso, é bobagem. É bobagem conversar com uma empresa somente para pedir recursos; não devemos fazer isso. Para mostrar que estamos abertos a isso, nós vamos conversar internamente e organizar essa questão. Nós estamos desburocratizando alguns pontos, porque não é possível a gente sentar com uma empresa e, depois, levar 6 meses para fechar um contrato, porque a burocracia emperra um pouco. Isso é muito complicado. Precisamos fazer alguns ajustes, nossa lição de casa, para nos aproximarmos do setor. Agora, isso é possível, viável, mesmo diante de toda essa dificuldade. Nós recebemos recursos pagos, e temos uma proximidade muito grande com esse setor. Recentemente, a Pró-Reitoria de Pesquisa baixou uma portaria em que facilita esses contratos da USP com a iniciativa privada, trazendo para o âmbito da própria Faculdade a prerrogativa de conduzir esses contratos, inclusive com a assinatura do próprio Diretor, não mais do Reitor ou do Pró-reitor. Veja bem: uma universidade do nosso tamanho, mas se formos fazer um projeto com uma empresa e depender da assinatura do reitor, é obviamente algo muito complicado. Então, essa descentralização é muito bem-vinda para a USP, sinalizando que ela deseja estreitar os laços com a iniciativa privada. E nós, com a vivência que temos nesta área, trabalharemos para isso. Entretanto, vale avisar: não é algo automático. Insisto, devemos fazer nossa lição de casa.

Helder: O Humberto falou bem. Nós temos experiências em iniciativa privada. Já tive parcerias que pagaram bolsas de alunos meus, reagentes e outras verbas. Obviamente, também temos experiência com o enorme desafio que é fazer esses convênios. Se não facilitarmos, não adianta termos boas ideias, precisamos viabilizar isso.

Como a FCF pode estar cada vez mais presente na comunidade, retribuindo pelo investimento feito pela sociedade?

Humberto: É um ponto muito sensível para nós dois e já conversamos muito sobre isso. Sim, nós nos aproximaremos da sociedade, isto é indispensável. Eu fico muito preocupado com essa situação, porque, na Faculdade, fazemos muita coisa, porém, a sociedade talvez não tenha noção. É um ponto muito preocupante. Não adianta apenas fazermos ações de publicidade, precisamos estar presentes. Temos metas bastante ambiciosas. Nós queremos trabalhar com as entidades estudantis, por exemplo, para que possamos levar mais da Faculdade para a sociedade. É interessante, porque os dois lados se beneficiam. Quando fazemos esse tipo de ação, de se aproximar da sociedade, na verdade, estamos mostrando para ela quem é o farmacêutico, que profissional é este. Isso é muito interessante em todos os aspectos.

Eu diria, por exemplo, que uma coisa que funciona bem, uma iniciativa que envolve os alunos de graduação, é a Campanha de Diabetes da Faculdade. É algo bastante interessante, que é conduzido pelos alunos. É uma aproximação do nosso graduando com a sociedade, que ajuda a sustentar a Faculdade. Então, esse tipo de ação me parece bastante interessante para uma maior aproximação. Agora, não é só isso: na medida em que abrimos a possibilidade para as empresas virem até aqui conversar conosco e conforme otimizamos nossos processos e facilitamos a interação, fazemos algo muito importante também. As pesquisas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas têm um caráter inovador e bastante interessante, além de terem potencial para gerar emprego e renda. É uma forma muito interessante de contribuir com essa sociedade que nos sustenta. Então, são várias ações, de modo que a sociedade possa entender melhor nosso papel e perceber que o dinheiro investido aqui está sendo bem aplicado.

Quando vocês pensam na influência que sua gestão terá na formação dos alunos da FCF, o que esperam desses futuros farmacêuticos?

Humberto: Nós entendemos que a Graduação é um dos pontos fortes da FCF. Temos um time de alunos muito bom e que quer abrir um pouco seu leque de opções. Quer, por exemplo, empreender, se aproximar da sociedade e de diversas forças e ter um currículo mais voltado para o mercado. É importante entendermos que é preciso abrir muitas oportunidades, expandir as possibilidades dos nossos alunos, porque percebemos que eles estão querendo contemplar cada vez mais seus interesses, prioridades e desejos. Precisamos criar isso. Por exemplo, já ouvi de aluno que ele gostaria de participar de outras campanhas, de ter oportunidade de levar para a sociedade o que é o farmacêutico e o que podemos fazer para ela de modo geral. Mas talvez não tenhamos tantas oportunidades assim. É preciso expandir isso. Muitos alunos citam a questão dos cursos de línguas, que eles querem e precisam cursar línguas. É outra coisa importante. Precisamos criar oportunidades para que eles possam fazer isso. Nós temos várias ações nesse sentido em nosso programa e é importante estarmos atentos. Como melhorar a formação do nosso aluno, de modo que ele se sinta preparado para, ao terminar a faculdade, buscar seu lugar na sociedade como profissional?

Helder: Queremos que os alunos, ao saírem da Faculdade, continuem saindo como líderes de empresas, em cargos de liderança. E vemos que precisamos cuidar não apenas da parte de conhecimento, parte técnica — o novo currículo, por exemplo —, mas também da parte da carreira, fazendo, talvez, oficinas para gestão, adquirindo uma expertise que não é muito acadêmica, mas importante para empresas. Por isso estamos conversando com o ECar e com ex-alunos que, hoje, são donos de empresas farmacêuticas, que nos dão informações sobre o que é necessário além da parte acadêmica. Esperamos conseguir trabalhar juntos com vários setores da Faculdade para que o aluno esteja preparado quando sair.


Por Matheus Zanin.